Mistérios e Fé: Falando Sobre as Aparições e Revelações Privadas

 


A  Igreja acredita na possibilidade de aparições e revelações particulares, pois estas ocorreram desde os tempos bíblicos (a São Paulo, a São Pedro, a Sto. Estevão…) através dos séculos até nossos tempos. Todavia, como Mãe e Mestra, a igreja é prudente e não se precipita no julgamento dos fenômenos. Manda examiná-los por peritos; em alguns casos, o laudo daí resultante é negativo (pois se verifica doença mental ou algum fator de ordem moral incompatível com uma intervenção do céu); em outras ocasiões, o laudo pode ser favorável ao culto da Virgem Santíssima, como decorre dos fenômenos avaliados (são os casos de Lourdes e Fátima); em outras situações ainda, não aparece por que condenar os fenômenos, como também não há por que lhes dar abono (ainda que indireto); em tais circunstâncias, a Igreja não interfere nas demonstrações de piedade ocorrentes nos lugares das supostas aparições, tendo em vista o aspecto pastoral ou os benefícios espirituais e físicos que resultam das peregrinações e celebrações ligadas a esses lugares.

Como quer que seja, o bom senso lembra que vivemos numa época de crise e desânimo, em que grande parte das populações é propensa a imaginar soluções extraordinárias e fenômenos raros, visto que os recursos convencionais do saber humano não resolvem os problemas da humanidade contemporânea. É de notar também que uma autêntica aparição não poderá senão confirmar as verdades do Evangelho; profecias muito minuciosas são suspeitas de inautenticidade. O que fica sempre, é a mensagem: oração e penitência, como resultado de uma genuína aparição.

Têm-se multiplicado, no Brasil e no estrangeiro, fenômenos de aparições atribuídas à Virgem Santíssima. As opiniões se acham divididas a respeito, pois, ao lado dos que creem facilmente numa intervenção do céu, há aqueles que recusam ceticamente dar-lhes crédito. Em muitos casos perguntam o que a Igreja pensa a respeito deste ou daquele caso ou no tocante às aparições em geral.

Vamos, pois, nas páginas subsequentes, apresentar as linhas-mestras da doutrina e da atitude da Igreja frente ao fenômeno “Aparições”, valendo-nos especialmente do opúsculo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil intitulado “Aparições e Revelações Particulares” (Coleção “Subsídios Doutrinais da CNBB” n°1).

                                                

Desde o século XVI tem-se notado, com maior frequência do que antes, o fenômeno “aparições”. Assim em 1531 em Guadalupe a Virgem Santíssima terá aparecido ao índio Juan Diego; em 1858 em Lourdes (França) a Senhorita Bernadete Soubirous; em 1917 em Fátima (Portugal) a três pequenos pastores. No Brasil, a partir de 1960 registram-se os casos seguintes:

1. 1960 em diante: em ErechimRio Grande do SulNossa Senhora da Santa Cruz se estaria manifestando a Dona Dorotéia.

2. 1967-1977: Nossa Senhora da Natividade teria aparecido ao Dr. Fausto Faria, em NatividadeRio de Janeiro.

3. 1975 em diante: a imagem de Nossa Senhora do Senhor Morto estaria sangrando e transmitindo mensagens a Dona Hermínia Morais de Souza, em ItúSão Paulo.

4. 1987-1988: Alfredo Moreira teria visto Nossa Senhora da Obediência e dela recebido mensagens, em CongonhalMinas Gerais.

5. 1988: um grupo de crianças estaria vendo Nossa Senhora e recebendo dela mensagens, em TaquariRio Grande do Sul.

6. Após 1988: até nossos dias, numerosos são os casos que vão sendo registrados.

Além desses, citam-se no Brasil muitos outros relatos de fatos extraordinários, como o de Dona Edelmira de Paiva Nunes: o forro de sua casa desabou, deixando intacta a imagem de Nossa Senhora; vários romeiros teriam visto a imagem de Nossa Senhora da Penha lacrimejar, no Rio1984; a Igreja de Nossa Senhora da Rosa Mística, em Juiz de Fora, teria vertido água; o altar de Nossa Senhora da Rosa Mística, em Jacarezinho, no Paraná, também teria vertido água, em 1987; o mesmo teria acontecido em Oliveira FortesMinas Gerais, com três quaresmeiras. Fora do Brasil, um elenco de aparições no século XX encontra-se em PR 390/1994pp. 508-510.

O QUE DIZER TUDO ISSO?

Atitude da Igreja

A Igreja crê na possibilidade de aparições do Senhor e de seus Santos, pois a própria Escritura atesta a ocorrência de autênticas aparições. Assim São Paulo, na estrada para Damasco, foi impressionado por uma visão do Senhor, que o chamava à conversão (cf. At 9, 3-9); São Pedro teve uma visão antes de ir à casa do centurião Cornélio (cf. At 10, 9-11)Santo Estêvão, antes de morrer, viu a glória de Deus e Jesus à direita do Pai (cf. At 7,55s). – Todavia, antes de se pronunciar a respeito de alguma aparição, a Igreja é cautelosa; manda examinar cada caso criteriosamente, pois sabe que muitas vezes os fiéis, com toda a boa fé, podem imaginar estar vendo e ouvindo o que não passa de projeções de sua fantasia.


O exame de determinado caso pode chegar a uma das três seguintes conclusões:

1) O laudo é negativo, pois se verifica que, da parte dos(as) videntes, há debilidade mental, fantasia exuberante, desonestidade, charlatanismo…

2) O laudo registra frutos positivos no plano espiritual e físico (conversões, afervoramento, curas de doenças e outros benefícios…), ao passo que nada desabona a saúde mental e a honestidade de vida dos(as) videntes. Em tais casos, a Igreja não somente permite, mas favorece o culto ao Senhor ou ao(à) Santo(a) que se julga ter aparecido. Daí o culto a Nossa Senhora de La Salette, a Nossa Senhora de Lourdes, de Fátima…, havendo a festa respectiva no calendário litúrgico da Igreja. Note-se bem: embora a Igreja favoreça o culto a Nossa Senhora em tal ou tal lugar, ela nunca diz, nem dirá, que a Virgem Santíssima apareceu; o fenômeno “aparição” não pode ser definido pela Igreja como verdade de fé. A revelação pública e de fé divina está encerrada com a geração dos Apóstolos; nenhum artigo pode ser acrescentado ao Credo. Assim escreve o Concílio do Vaticano II em sua Constituição Dei Verbum n° 4:

“A dispensação da graça cristã, como aliança nova e definitiva, jamais passará, e já não há que esperar alguma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. 1Tm 6, 14 e Tt 2, 13).

Por conseguinte, fica a critério dos fiéis julgar as razões pró e contra a autenticidade de cada “aparição” não condenada pela Igreja e daí tirar a conclusão que mais lógica lhes pareça; é-lhes lícito crer ou não crer nas aparições em foco.

Papa Bento XIV (1740-1758) publicou as seguintes observações a respeito dos fenômenos extraordinários:

“A aprovação (de aparições) não é mais do que a permissão de as publicar, para instrução e utilidade dos fiéis, depois de maduro exame. Pois estas revelações assim aprovadas, ainda que não se lhes dê nem possa dar um assentimento de fé católica, devem contudo ser recebidas com fé humana segundo as normas da prudência, que fazem de tais revelações objeto provável e piedosamente aceitável” (De Servorum Dei Beatificatione II, c. 32, 11).

Repetimos a afirmação básica: não é obrigatório nem possível dar às revelações privadas um assentimento de fé católica, mesmo que tais revelações tenham sido aprovadas pela Igreja. É importante que o leitor tenha isso bem presente, para que não se pense que é pecado colocar-se contra uma revelação privada. Ouçamos o cardeal Pitra"Sabemos que somos plenamente livres de crer ou não nas revelações privadas, mesmo nas mais dignas de fé. Mesmo quando a Igreja as aprova, elas são recebidas como prováveis e não como indubitáveis (…) É totalmente permitido afastar-se dessas revelações, mesmo aprovadas, quando alguém se apoia sobre razões sólidas, sobretudo quando a doutrina contrária é estabelecida por documentos inatacáveis e uma experiência certa." (Livro sobre Santa Hildegarda, p. XVI) E não se admire o leitor de que mesmo em revelações aprovadas de pessoas canonizadas existam erros dos mais variados tipos. Vale a pena conhecer algumas causas de erros que podem ocorrer numa revelação verdadeira, ou tida como tal em determinada época.

1) Interpretações incorretas: Não é incomum que o próprio vidente possa interpretar mal a revelação que recebe. Isso se deve, em primeiro lugar, à obscuridade da revelação, sobre a qual o vidente possui uma inteligência apenas parcial. Há também outras causas, como por exemplo o apego do vidente a certos preconceitos que interferem na correta compreensão da mensagem recebida. O exemplo clássico é o de São Pedro, que teve a visão de uma toalha contendo diversos animais, enquanto uma voz por três vezes lhe dizia: "Levanta-te Pedro, mata e come." Ele acreditou que se tratasse de sua alimentação, tanto mais que teve a visão quando estava com fome e lhe preparavam o almoço. (Atos, X, 10). Inicialmente ele não compreendeu o sentido simbólico da visão, que tinha por objetivo convencê-lo de que devia batizar os pagãos sem lhes impor primeiro as práticas da lei mosaica.

2) Imprópria consideração dos elementos históricos: Engana-se frequentemente aquele que atribui aos detalhes históricos de uma revelação ou visão uma exatidão absoluta. Detalhes como a paisagem, o tipo de roupa, a língua falada, os costumes locais, quase sempre estão em desacordo com os conhecimentos históricos ou senão, diferem consideravelmente mesmo em santos que tiveram visões sobre o mesmo tema. Quando Deus dá uma visão a uma alma, é para a sua santificação pessoal e não para satisfazer a curiosidade histórica. Há inúmeros exemplos desse engano em visões sobre a paixão e morte de Nosso Senhor.

3) Intromissão da atividade humana na ação sobrenatural: Engana-se aquele que pensa que uma revelação não diabólica ou é inteiramente divina ou inteiramente humana; o espírito humano pode imiscuir-se, em certa medida, na ação sobrenatural, alterando partes da revelação. Catarina Labouré, por exemplo, fez predições verdadeiras com até quarenta anos de antecedência, e fez também predições falsas. Santa Hildegarda é outro exemplo: analfabeta, ela compunha e ditava textos em latim. Suas numerosas obras inspiradas, entretanto, contém os erros científicos de sua época. Embora nos repugne encontrar erros em revelações recebidas por santos e santas, a lição que daí se tira não é a de que se deve desprezá-las por completo, mas sim que se deve abandonar a ideia tão popular e romântica de que tudo que vem da parte de um santo é infalível. (O leitor interessado em conhecer mais profundamente os exemplos de erros em revelações aprovadas deve consultar a obra clássica de A. Poulain"Des Grâces d’Oraison", na qual este artigo foi baseado).

Em conclusão podem-se citar as palavras de D. Boaventura Kloppenburg:

“Não devemos ter receio de faltar á reverência, ao respeito ou à piedade quando submetemos os fatos maravilhosos a uma crítica severa. A atitude oficial da Igreja sempre foi extremamente exigente e crítica nestas coisas. E as possíveis causas de engano provam a necessidade de sermos prudentes, cautelosos e reservados. Um verdadeiro milagre e uma autêntica aparição nada têm a temer. Seria, pelo contrário, mau sinal se não quisessem submeter-se de bom grado, paciente e honradamente, a um simples exame crítico. Os grandes místicos da Igreja não só não se negaram a tal exame, mas exigiram-no. Leia-se o que escreveram, por exemplo, São João da Cruz e Santa Teresa de Ávila (O Espiritismo no Brasil, Petrópolis 1960, p. 168).

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